A conta da guerra comercial chegou de novo. E dessa vez, ela bateu à porta de quem menos tem fôlego para brigar: as editoras independentes de quadrinhos. Entre relatórios trincados e comunicados quase paranoicos, uma palavra domina os bastidores do mercado editorial americano em 2025: incerteza.
A promessa do novo mandato de Donald Trump em elevar as tarifas de importação para até 100% colocou todo o setor em estado de alerta. Tecnicamente, livros, quadrinhos e materiais "informacionais" seguem isentos das novas taxas gráças ao International Emergency Economic Powers Act (IEEPA). Mas isso não significa alívio. Significa confusão generalizada, onde cada distribuidora, editora ou tipografia interpreta os decretos do jeito que consegue, ou do jeito que dá pra sobreviver.
Enquanto grandes editoras conseguem absorver o tranco ou terceirizar danos, pequenas casas como a Fieldmouse Press tiveram que lançar campanhas de financiamento coletivo para cobrir custos imprevisíveis. "A gente não sabe se vai ser tarifado até o navio atracar", diz um trecho da carta aos apoiadores.
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Site da Fieldmouse Press |
Editoras como a Fantagraphics seguem apostando em parcerias internacionais. A canadense Pow Pow viu suas relações com os EUA estremecerem. "A tarifa que os EUA querem impor ao Canadá é maior que a imposta à China. É um insulto político e econômico", declarou François Vigneault.
Do lado britânico, editoras como Avery Hill e Self Made Hero descrevem o cênario como insustentável. Com tarifas de 20% para livros impressos na UE, imprimir nos EUA se torna mais barato no papel, mas quase inviável na prática. Qualidade de papel, acabamento e tiragens pequenas tornam a logística editorial um quebra-cabeça com peças faltando.
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Site da Self Made Hero |
Emma Hayley, da Self Made Hero, afirma: "A textura do papel, a qualidade da cor, tudo isso é negociado com os artistas. Impor a impressão doméstica seria comprometer o trabalho final. E mesmo assim, estamos considerando essa mudança, porque manter o modelo atual pode nos afundar financeiramente."
Outros editores relatam o impacto indireto: aumento de custo de papel, tinta, frete e embalagens. O círculo se fecha. Sacolas de papel importadas do Canadá ou da China encarecem o atendimento em feiras. Brindes promocionais deixam de ser viáveis. Festivais são cancelados por falta de recursos e medo de represálias migratórias.
Editoras canadenses relatam medo de enviar artistas para eventos nos EUA. Vígneault relata: "Estamos com um pé atrás sobre comparecer ao SPX em setembro. Já tivemos colegas detidos na fronteira."
Dan Nott, da Parsifal Press, resume o sentimento geral: "O que já era apertado, ficou insustentável. Os centavos que sobravam para pagar os artistas estão virando dívidas. Publicar quadrinhos virou ato de coragem."
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Site da Parsifal Press |
Para muitos, a saída é buscar novos modelos: impressão sob demanda, licenciamento de direitos, distribuição direta. Mas tudo isso exige tempo, energia e uma reinvenção constante que desvia a atenção da essência: contar boas histórias.
O golpe é profundo. E sutil. O tipo de ferida que não sangra, mas corrói. A cada tarifa mal explicada, a cada mudança sem aviso, a indústria criativa vai perdendo oxigênio.
O leitor talvez não perceba de imediato. Mas quando os lançamentos rarearem, os preços subirem e os catálogos empobrecerem, o impacto chegará à ponta da linha. Porque no fim das contas, o quadrinho independente é onde nascem as ideias que alimentam o mainstream. E sufocar esse berço criativo pode custar mais do que o próprio mercado está disposto a pagar.
O protecionismo mal calculado transforma aliados em adversários e artistas em reféns de uma política de alavanca. Quem imprime, importa, distribui ou apenas sonha com gibis melhores, precisa estar atento. Porque o próximo decreto pode vir camuflado de oportunidade. E levar embora uma geração inteira de criadores.
O futuro dos quadrinhos está em suspenso. E, ironicamente, ele não depende da qualidade das histórias, mas da logística alfandegária. Um cartucho de tinta vale mais do que uma ideia. E isso deveria assustar todo mundo.
Mas enquanto houver uma editora publicando contra o medo, um artista insistindo no traço, e um leitor disposto a pagar um pouco mais pra manter a chama acesa, os quadrinhos vão continuar vivos. E às vezes, isso é tudo que a gente precisa pra seguir lutando.