GUERRA EM GAZA - ENTREVISTA DE JOE SACCO AO THE COMICS JOURNAL

Mundo Gonzo
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O repórter desceu ao inferno e voltou com pranchetas ensanguentadas.

Essa seria a manchete, se os editores tivessem coragem. Mas não têm. Então sobra pra mim, esse velho gonzo que ainda acredita que o jornalismo pode, sim, bater como um soco na cara.

Joe Sacco

 

Joe Sacco falou. E quando ele fala, a gente escuta como se fosse o último suspiro de uma ética em coma. A entrevista, publicada pelo site The Comics Journal, é um mapa nervoso de um artista que escolheu enfiar a cara onde os políticos não pisam, onde a imprensa tradicional manda drones e onde a verdade sangra pelas bordas dos quadros.

 


Ele está lançando "Guerra em Gaza", obra que será publicada no Brasil em julho pela Companhia das Letras. Mas a HQ é só a ponta da lança. O que Sacco revela em suas palavras vai além da técnica, da estética ou do mercado. É um grito.

        "Estou fazendo o trabalho que preciso fazer pra conseguir viver comigo mesmo." 

É com essa sentença brutal que ele escancara a missão. Não é sobre vendas. Não é sobre likes. É sobre dormir com a própria consciência.


Joe Sacco não desenha pra entreter. Ele desenha pra lembrar. Pra ferir. Pra deixar cicatrizes nos olhos de quem lê. Seus traços carregam o peso do que foi esquecido, silenciado ou manipulado. E nesta entrevista brutal, ele nos lembra que a democracia só vale alguma coisa se doer.

Sacco já se enfiou na Faixa de Gaza, na Bósnia, na Palestina, em campos de refugiados, entre cadáveres que nem o noticiário teve coragem de filmar. E o que ele trouxe desses lugares é mais do que reportagem, é memória traumática convertida em quadrinhos. É trauma impresso.


"A verdade visual precisa ser conquistada", diz ele, enquanto denuncia a estética pasteurizada do jornalismo de sofá. Aquele que publica press releases como se fossem investigações. Aquele que suaviza a dor com infográficos e trilha sonora emotiva.

Mas Sacco desenha silêncio. Rugas. Genocídio sem filtro.

Ele admite: fazer esse tipo de HQ suga sua alma. É um processo lento, insano, obsessivo. Não se trata apenas de apurar fatos. Ele precisa cheirá-los, senti-los, entrevistar mães em prantos e depois sonhar com o que viu por semanas a fio. E então, transformar isso tudo em algo que você vai folhear no ônibus.

        "Quando desenhei Gaza, eu sabia que tinha que carregar nos olhos das pessoas. É ali que está o terror. Não nos tanques. Não nas armas. Mas no rosto de quem perdeu tudo."

A entrevista mergulha na ferida aberta da ocupação israelense. Mas Sacco, como sempre, se recusa a simplificar. "Meu trabalho é mostrar o horror. Não tenho a pretensão de resolvê-lo."

 

 Ele ataca também o fetiche dos quadrinhos por super-heróis. "Não tenho interesse em fantasias de poder. Meu trabalho é sobre o colapso do poder."

 

O jornalista de guerra que usa nanquim em vez de câmera diz que não há futuro para o jornalismo se ele continuar evitando a raiva. Segundo Sacco, a raiva é o que move. É o que mantém a caneta tremendo. É o que impede o artista de virar só mais um ilustrador de notícias.


Ao longo da entrevista, percebemos um artista que carrega o peso do mundo nos ombros, mas que se recusa a deixá-lo cair. Ele admite o cansaço. A frustração. Mas nunca o cinismo.

        "A maioria das pessoas quer evitar os horrores. Eu corro até eles. Alguém tem que contar."

Sacco desenha para os mortos, diz ele. Para que não desapareçam de vez. Para que tenham seus nomes, suas histórias, suas expressões salvas do esquecimento. Em tempos de pós-verdade, deepfakes e propaganda viral, o traço de Sacco se tornou um bastião de memória.

 

Não é à toa que Guerra em Gaza chega como um soco editorial. É a crônica de um massacre lento, de uma terra cercada por muros visíveis e invisíveis. E se você acha que já viu tudo sobre o tema, prepare-se para ver o que ninguém mais teve coragem de mostrar.

 

Ele não se esconde atrás de neutralidade. Joe Sacco escolhe um lado: o lado da vítima. E essa é talvez sua maior transgressão num mundo onde jornalistas ainda fingem que objetividade é virtude.

 

Na HQ, como na vida, ele nos obriga a ficar. A não desviar o olhar. A encarar a lama, o sangue, a perda.

 

E se ao final da leitura você sentir desconforto, incômodo, repulsa, parabéns. É sinal de que você ainda sente alguma coisa.

Guerra em Gaza de Joe Sacco nos lembra, com cada linha torta e cada sombra dura, que jornalismo também é arte. E que arte, às vezes, é o último abrigo da verdade.

 

Informações:

Guerra em Gaza será publicado no Brasil pela Companhia das Letras em julho. Mas você já pode garantir o seu exemplar na pré-venda.

 

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Leia a entrevista completa publicada no The Comics Journal:

https://www.tcj.com/im-doing-the-work-i-need-to-do-to-live-with-myself-joe-sacco-on-democracy-genocide-and-drawing-the-truth/

 

 

One to One: John & Yoko

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