RASL: Jeff Smith, saltos quânticos e a vertigem do impossível

Mundo Gonzo
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Certo, meu caro colega de alucinações e verdades inconvenientes. Ajuste o cinto. A viagem vai ser longa e, com sorte, sem volta. Pegue a velha máquina de escrever imaginária, sirva um café forte e respire fundo. Porque agora é hora de mergulhar na psique distorcida de Jeff Smith e sua obra mais insana: RASL.

Esqueça o que você achava saber sobre o autor de Bone, aquele épico fofinho com criaturas de olhos grandes e aventuras encantadas. Aqui o jogo é outro. RASL é um soco no estômago, um sussurro paranóico no ouvido e um convite para o abismo, tudo envolto em traços limpos e uma narrativa que escorre como delírio lúcido por entre as páginas.


O início da fúria: Rasl, o vigarista interdimensional e o pesadelo americano


A primeira coisa que te atinge em RASL não é uma criatura fantástica ou um reino mágico. É o rosto suado de um homem em fuga. Um ladrão de arte. Mas não qualquer ladrão. Rasl é um viajante dimensional, alguém que manipula os diários perdidos de Nikola Tesla como grimórios. Ele não rouba quadros de museus comuns. Ele rouba de realidades alternativas onde Van Gogh talvez tenha pintado o caos cósmico com mais intensidade ou onde o cubismo de Picasso foi reinventado com física quântica.



Se em Bone Smith nos levou por um conto de fadas com ritmo de balada medieval, aqui ele nos empurra para um beco sujo onde ciência, conspiração e paixão queimam como ácido na pele. Rasl é um fugitivo do próprio passado, um fantasma que atravessa mundos, carregando os pecados de decisões feitas e não feitas. E cada salto que ele dá parece corroer mais a sua sanidade.


O xamanismo quântico de Tesla e o ruído branco do universo


Jeff Smith mergulha de cabeça no território onde ciência e espiritualidade colidem. A viagem de Rasl não é só física, é filosófica. Ele é perseguido não apenas por uma força militar secreta, mas pelos ecos de uma culpa que atravessa dimensões. E também pelas vozes ancestrais de um mundo que lembra que nem tudo se explica com equações.




Os diários de Tesla em RASL não são manuais técnicos. São portais. São rituais. São artefatos mágicos para dobrar as leis da física com a força da obsessão. A pergunta que surge, inevitável, em meio ao traço afiado e ao roteiro claustrofóbico é: e se isso tudo fosse possível?


Smith transforma a física em mitologia. As viagens de Rasl têm cheiro de ozônio, gosto de ferro e o peso do luto. Não é sobre saltar entre mundos. É sobre o que se perde quando se atravessa demais. A narrativa é noir até os ossos. Não há heróis. Só fragmentos. Só escolhas erradas sendo repetidas em realidades paralelas.


A arte que sangra e a fúria do traço

Se você esperava o estilo arredondado e acolhedor de Bone, está na hora de se desfazer dessas expectativas. Em RASL, Jeff Smith desenha com nervos expostos. O preto e branco que ele usa não é estilização. É claustrofobia gráfica. É desespero puro.


As expressões de Rasl carregam dor, raiva, obsessão. Cada sombra é uma ameaça. Cada vinheta é um mergulho. Smith prova aqui que não é só um contador de histórias, é um manipulador de percepção. Você sente o ritmo da perseguição, o peso do silêncio entre um salto e outro, a vertigem da realidade em colapso.



Personagens que são estilhaços de espelhos quebrados


Rasl não é herói. É um viciado. Viciado no salto, na fuga, na memória de uma mulher que talvez nunca tenha existido daquela forma. Ele é a antítese do protagonista clássico. E os coadjuvantes seguem a mesma linha. Há o cientista que se perdeu no próprio ego. A mulher fatal que é desejo e maldição. E os agentes que representam o poder bruto, impessoal e opressivo. nenhum totalmente bom, nenhum completamente mau. São pedaços de um quebra-cabeça quântico, onde cada peça tenta desesperadamente lembrar quem era antes de se partir.



O veredito Gonzo: uma viagem ao fim da noite interdimensional


RASL não vai agradar todo mundo. É estranho. É denso. E às vezes parece mais um delírio metafísico do que uma história em quadrinhos. Mas é justamente isso que o torna necessário. Jeff Smith não quis agradar. Quis provocar. E conseguiu.


O resultado é um quadrinho que queima devagar e profundo. Que deixa marcas. Que sussurra perguntas que você não sabe se quer ouvir. RASL é o tipo de leitura que te faz questionar a própria realidade, o próprio tempo, a própria sanidade.


É uma obra-prima? Para muitos será. Para outros, um mistério indecifrável. Mas uma coisa é certa: você não sai o mesmo depois de ler. E no fim, talvez esse seja o maior elogio possível.


Agora me dá licença. Preciso checar se o reflexo no espelho ainda é o mesmo. A viagem ainda não terminou.



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